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Ladainha

Capoeira! Nesse mundo circundado pelos seus praticantes e por sua bateria de instrumentos, sinto-me um privilegiado. Vadiei com capoeiras conhecidos e reconhecidos da grande comunidade da capoeiragem brasileira. Não me vanglorio aqui de nada, alias quando se fala de capoeira, sou somente um menino, um pequeno. Devo muito a todos que me ensinaram, que jogaram comigo e que compartilham comigo essa minha paixão. Para você me conhecer melhor, vou historiar minha vida na capoeira. Então vamos lá!
Minha lembrança mais antiga é do tempo de menino em Piracicaba no estado de São Paulo. Algumas vezes quando voltava da casa da minha avó, subia a ladeira da rua Voluntários em direção ao Bairro do Piracicamirim, no caminho eu sempre parava a porta de um barracãozinho, para assistir meio escondido rodas do Meste Cosmo. Eram os anos 80, eu era muito moleque e a capoeira ainda era muito estigmatizada pela sociedade. Sem saber vi jogar os Mestres Cosmo e Zequinha. Mais velho e ligado em noutras coisas, na virada dos 80 para os 90, assisti a algumas rodas do Mestre Gil, que comandava o Cordão de Ouro naquela época. São essas as minhas primeiras lembranças da capoeira.
Treinar capoeira mesmo, somente em 1999. Comecei com vinte e sete anos, ingressei no grupo Cordão de Ouro comandado por Dodô. Para muito esporte por ai, seria tarde para se começar, mas a capoeira entende as limitações do corpo de cada um. Naquela época, o que me motivou foi à ociosidade ocasionada pelo fim da minha graduação e a idéia de melhorar minha saúde. Toda noite ficava pensando no que fazer. Acabei sendo convencido por um amigo a praticar a capoeira. A idéia era boa e me deixei levar. Considero esse cara o meu padrinho na capoeira. Axé, Wesley! 
Bem, devo esclarecer que infelizmente não foram doze anos diretos dedicados a capoeira (1999 até 2011). Tive que ganhar a vida como todo mundo, e dessa forma, interrompia de tempo em tempo a prática. Mas o filho sempre retorna a casa. Também, nem sempre treinei no mesmo lugar. Você vai entender melhor mais a frente, continua lendo.
Convencido a praticar a capoeira, no meu começo, não foi somente eu. Éramos uns quinze, e todos os dias nós encontrávamos na minha casa para irmos juntos treinar. É claro que com o passar dos anos alguns foram desistindo. Daquele tempo sobraram somente dois. Eu e o Pastel, e esse sim se dedicou os dozes anos a ponto de hoje ser considerado um instrutor na capoeira, pelo grupo Cordão de Ouro de Campinas.
Treinávamos todos com o Dodô, professor do grupo Cordão de Ouro que recebeu de Gil a missão de ensinar na cidade de Piracicaba. Foi esse cara que me iniciou na capoeira, que me ensinou os primeiros movimentos e fundamentos. Os treinos aconteciam no Centro de Vivência (conhecido como CV) dos alunos da ESALQ/USP. Ali foram cerca de sete anos direto, o treino acontecia todas as noites e depois de tomado o gosto acabei treinando também algumas tardes, antes do treino da noite. Com o Dodô tive contato com uma boa capoeira vinda de Mestre Suassuna. Treinávamos os movimentos de Mestre Bimba da Capoeira Regional Baiana, os movimentos da Capoeira Angola e movimentos de Miudinho do Mestre Suassuna. Alguns podem contestar essa diversidade de movimentos e estilos, mas garanto que tudo era de muita boa qualidade e entendiamos que cada coisa tinha seu lugar e hora certa. Jogávamos o que o berimbau mandava! 
Foram bons tempos, nós éramos uma pequena comunidade. Nós nos víamos todos os dias, jogávamos todos os dias. Até nos finais de semana, em churrascos organizados por nós ou numa balada, jogávamos. Jogávamos a noite, de dia, em festa de casamento, de aniversário, de formatura. Bastava tocar uma música que lembrasse a capoeira, lá estávamos nós jogando no meio do povo ou escondidinhos. Um verdadeiro auê! Eramos entusiasmados.
Naqueles anos tive a oportunidade, ou melhor, privilégio de conhecer alguns mestres. O primeiro foi Gil, discípulo de Tarzan. Emblemático, ele me abriu os olhos para a capoeira. Mais que ensinar movimentos, ele me ensinou a não ser inocente, a ser astuto e a perceber a índole de meus adversários na hora Roda de Capoeira. Conheci também Suassuna e Mestre Cícero, que junto com seus alunos nos visitavam periodicamente. Este último, em uma de suas visitas, trouxe para ao nosso espaço o Mestre Jogo de Dentro.
Depois de uns cinco anos treinando direto com o Dodô, e tendo sido agraciado com duas cordas resolvi conhecer melhor a Capoeira de Angola. Essa inclinação já se mostrava nas minhas preferências. Gostava dos treinos de angola. Nossas rodas começavam sempre com o Jogo de Angola, e lá estava eu inaugurando a roda para poder jogar uma "angolinha". Também recebia em casa a visita de Daniel (aluno de Mestre Pé de Chumbo) e passávamos as tardes vadiando. 
Enfim, desejoso de aprender mais fui procurar o Mestre Zequinha que a principio ficou meu arredio, quase não me autorizou a treinar, pois ainda frequentava o espaço de Dodô. Talvez tenha deixado porque acabei treinando em um horário alternativo, no meio do dia. Procurei respeitar a escola e comprei os trajes da capoeira de Angola. Treinei por quase um ano, duas vezes por semana durante uma hora e meia.
Veio nesse tempo a minha primeira rasteira da minha vida de capoeira. Graduado como professor de história fui trabalhar nas escolas publicas de Piracicaba, o problema foi que as aulas a mim destinadas aconteciam no período da noite, e foi-se o treino com Dodô. Consegui também um emprego em uma escola particular, no período da manhã, e foi-se o treino com o Mestre Zequinha. Foram alguns anos nessa levada, treinando e jogando somente quando dava. Infortúnio!
Bem, o destino não foi de todo mau comigo e algum tempo depois pude voltar a praticar. Naquele momento preferi assumir meu lado angola. Procurei Mestre Zequinha e comecei a seguir seus ensinamentos. Foi uma ótima época, conheci o Mestre Lua de Bobó e pude presenciar rodas antológicas no espaço da escola Raiz de Angola, mas a alegria durou pouco. 
Com Mestre Zequinha foi quase um ano, e a vida me chamou novamente. Fui aceito no programa de mestrado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Meu trabalho teve de ser reorganizado e algumas aulas foram passadas para o período da noite, e ainda, os estudos acabaram me tirando da capoeira por mais três anos. E mesmo com o trabalho concluído, fiquei vagando por mais um ano e meio. Essa foi a segunda rasteira na minha vida da capoeira.
Foi somente neste ano, em abril de 2011, após uma luta interna retornei a capoeira. Como estava morando na cidade de Campinas, procurei o grupo o Sementes do Jogo de Angola. Escola do Mestre Jogo de Dentro, que não reside mais na cidade, mas deixou ótimos Contra-Mestres. Passei a treinar com o Contra-Mestre Guga, no núcleo de Barão Geraldo e sempre que possível com o Contra-Mestre Danny. Sinto-me como estivesse começando a aprender do início novamente. Voltei a ser um iniciante nessa capoeira de ótima qualidade!
A confirmação do que eu queria para a minha vida de capoeira chegou em agosto de 2011, quando ocorreu um evento no espaço do Contra-Mestre Danny, uma feijoada. Estavam presentes os Contra-Mestres Fabio Formigão (SP), Guga, Ivens, Valmir e o dono da roda Danny (Campinas) com seus respectivos alunos, além de Jubileu e Milene do grupo Raiz de Angola (Piracicaba). A muito tempo não participava de uma roda tão mágica. Vocês não podem imaginar minha felicidade. Procuro  aproveitar ao máximo, pois não sei quando que a vida vai dar me dar uma nova rasteira. Estou esperto, mas o mundo dá voltas!
Assim contei a minha vida na capoeira. Uma narrativa de momentos felizes. A partir de agora quero aprofundar meus conhecimentos, finalmente aprender a tocar corretamente um berimbau e os demais instrumentos da capoeira, aprender os movimentos e os fundamentos da capoeira angola legados pelo Mestre Jogo de Dentro. Conhecer Mestres da Capoeira Angola e contribuir com a capoeira de alguma forma. Quem sabe deixar de ser menino! Quem sabe num futuro, bem no futuro mesmo, u possa ensinar! Por enquanto, preciso mesmo é aprender.

Junho de 2011                                                                                             
Adriano Sgrignero (Zoinho)