Os objetivos (“estudos sobre capoeira angola”) traçados quando da
concepção deste blog em abril de 2011 continuam a impulsioná-lo. Nesse sentido,
se faz pertinente abordar mais uma vez a obra de Waldeloir Rego, Capoeira
Angola, ensaio sócio-etnográfico de 1968. Agora, para engrossar as
pesquisas sobre Cantos e Cantigas, visitemos o capítulo IX – Comentários às
Cantigas, da dita obra.
Para o autor, as cantigas possibilitam a compreensão de aspectos sobre a
vida brasileira e suas diversas manifestações. Reforço afirmando que por esse
material encontramos indícios que ajudam contar histórias do cotidiano, das
rinchas, dos acertos, dos lugares e pessoas. Mas, ainda com o autor, esses “valiosos
elementos” podem ser examinados sob o ponto de vista lingüístico, folclórico,
etnográfico e sócio-histórico. E, desta
forma, o restante do capítulo segue essa divisão e limites.
“Linguìsticamente
falando, as cantigas fornecem detalhes da linguagem corrente do Brasil,
principalmente no campo fonético, sintático e semântico.” (127)
Assim, no campo fonético teríamos uma amostra tanto da pronúncia geral como
a do Rio de Janeiro, como exemplo por ter sido capital da coroa portuguesa na
América, quanto de pronúncias locais
(regionalismos como os encontrados no nordeste). Seguido a isso, Waldeloir
apresenta uma série de características fonéticas encontradas nas letras das
cantigas e procura elucidar seu significado e origem quando possível.
Veja os exemplos:
Esclarecidas tais questões fonéticas, Waldeloir ricamente elenca uma grande série de léxicos. Ou melhor, palavras encontradas nas cantigas que sofreram a ação do uso mais popular e assim, sofreram mudanças mencionadas na fonética são devidamente apresentadas em seu significados, localidades, usos e origens. É uma lista longa, muito útil para aqueles que pretendem compreender o que as cantigas de capoeira querem ensinar.
Veja alguns exemplos:
Quanto ao Aspecto Folclórico,
que entenderemos aqui como culturas de um povo, Waldeloir afirma que esses
aspectos são marcantes e freqüentemente presentes nas canções, no qual reuniu
em grupos. Algumas cantigas que não se conseguiu estabelecer elos, para formar
um grupo, então as reuniu como uma categoria a parte. As demais cantigas, Waldeloir
separou em, por exemplo, Cantigas geográficas, Cantigas agiológicas (aspectos
de santos católicos ou bíblicos) Cantigas de louvação, Cantigas de sotaque e
desafio, Cantigas de roda ou Cantigas de peditório (pedido de esmolas).
Vejamos algumas. De raízes medievais, as Cantigas de Escárnio e Mal dizer são encontradas entre
cantigas de capoeira. Elas se referem: à cor do negro como símbolo de malefício;
desejo que outros contraiam alguma doença como a Praga da Galinha; ao
comportamento das mulheres, a moral diante do marido ou de um ciúmes doentio; mal
dizem sobre a masculinidade de alguém. As Cantigas
de Berço, regaço e acalentar também são muito comuns fazendo menção ao
universo infantil. Foram trazidas pelos portugueses durante a colonização e modificadas
pela presença africana. As Cantigas de
devoção fazem reverencias a santos como São Cosme ou Damião, ou ainda
invocam proteção de São Bento (em caráter preventivo) contra cobras e animais
venenosos. As cantigas agiológicas
reúnem as cantigas que se referem a santos católicos e aspectos de suas vidas. É
lembrado o personagem Bíblico Rei Salomão por sua lendária sabedoria, ou ainda,
Nossa Senhora (Santa Maria) para que ela interviesse junto a Deus pelo capoeira.
As cantigas Geográficas
mencionam localidades (vilas, cidades, estados e países). As cantigas de louvação elogiam as
habilidades e as bravuras de capoeiras como Paulo Barroquinha, Dois de ouro,
Pedro Mineiro e o famoso Besouro Cordão de Ouro. As cantigas de sotaque e de desafio, segundo Waldeloir são próprias
dos negros, que acabam também sendo a grande vítima da cantiga, pois o ridiculariza
em comparações com animais. As cantigas
de roda compõem nosso folclore e foram apropriadas pela capoeira. Encerrando,
o autor apresenta Cantigas de peditório,
lembra que essas cantigas para pedir esmolas são características de violeiros
cegos.
Faço menção que os dois últimos aspectos vistos pelo autor Etnográfico e
sócio-histórico podem ser vistos como únicos, pois as práticas das ciências
envolvidas estão em constante debate e dividem limites teóricos. Aqui
trataremos em separado, seguindo o roteiro do autor.
Desta forma, quando Waldeloir se remete a escrever sobre o Aspecto Etnográfico trabalha com a
idéia de um estudo sobre a cultura de um povo, seus costumes, índole, raça, língua,
religião,... Neste ponto, é relevante mencionar que me parece estar o autor inserido
entre uma gama de intelectuais dos anos sessenta no Brasil, preocupados em
desvendar uma identidade para o Brasil e para os brasileiro selecionou
elementos para a sua constituição. Esse estudo etnográfico se preocupa em
descrever a vivência (entenda como cultura) do brasileiro. Em suas palavras:
“O capoeirista
de hoje narra durante o jogo da capoeira, através do canto, toda uma epopéia do passado de seus
ancestrais. Nas cantigas
de números 1 e 2 procura mostrar a sua condição de escravo e o conseqüente
estado de inferioridade perante os demais. Luanda, cantada e recantada pelo
negro, a ponto de Cascudo dizer que
Não acredita que nenhuma cidade neste mundo esteja nas cantigas brasileiras como Luanda, é lembrada nos cantos de números 30 e 32, fixando, assim, um dos pontos de procedência do negro escravo. A terrível habitação conhecida por senzala, onde ficavam todos, amontoados feito animais, aparece na cantiga número 105. O tratamento que durante o período patriarcal era algo rigoroso, tratando as esposas aos seus maridos por senhor, e os filhos, senhor pai e senhora mãe a seus pais, o negro adoçou o tratamento do senhor todo-poderoso patriarca e sua respectiva esposa em sinhô e sinha, yoyó e yaya. Esse vestígio ainda existente no falar cotidiano do negro, está nas cantigas números 22, 23, 24, 25, 26, 29 e 137. Da alimentação, canta detalhes nas cantigas números 33, 50 e 115 quando se refere ao dendê, que tanto serve para condimentar a moqueca, invenção africana, como é utilizado nos ebóse outros rituais do culto afro-brasileiro.” (257)
Por fim, o Aspecto Sócio-histórico,
que para o autor histórico é relativo a oficial, a governos e seus conflito, ou
melhor, a uma história política. Indo nesta direção, elege como acontecimento
de maior relevância para os capoeiras a Guerra do Paraguai (1864-1870). Ocorrido,
segundo ele, num momento de auge da capoeira, “num verdadeiro conflito com a
força pública e a sociedade” e que, apesar de inúmeras noticias, todas dormem
na lenda por não se conhecer documentação concreta (lê-se aqui oficial) sobre a
participação de capoeira naquela guerra.
Terminamos, assim, a leitura (estudo) de um trecho da obra de Waldeloir
Rego sobre Cantos e Cantigas. Continuaremos nossos estudos em futuras postagens.
Abraço e, aguardamos seus comentários e os esperamos como seguidores.
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