Concomitantemente aos preparativos para o casamento entre a austríaca arquiduquesa Leopoldina e o herdeiro do Império português D. Pedro I, no ano de 1817, foi organizada na Austria uma expedição naturalista com o objetivo de estudar e descobrir riquezas e potencialidades do Brasil, considerado a região mais rica do hemisfério Sul. Deveriam ser catalogados e registrados a maior quantidade possível de espécies da flora e da fauna, além é claro, dos tipo humanos (negros, brancos, índios, orientais, …). Entre importantes naturalistas que vieram nesta expedição ao Brasil entre 1817 e 1818, estava o jovem pintor Thomas Ender.
O Artista: Filho de comerciantes pobres, Thomas Ender nasceu em Viena em 3 de novembro de 1793, iniciou sua vida de pintor aos 12 anos. Ingressou, portanto, em 1805 na Academia de Artes Sant'Anna na Áustria e logo depois, se tornou um paisagista, em que os recantos de Viena foram explorados por ele. Pintou também, entre 1810 e 1816, as montanhas de Salzburg, Stelemark, e as fronteiras da região do Tirol. Desse momento, retratou a floresta do Prater: "Excursão na floresta com vista para a distância" e com ele, ganhou em 1817, além do prêmio em um concurso, a proteção e admiração do primeiro ministro do Reino da Áustria e da Baviera, o príncipe de Matternich.
Esse contato colaborou no processo de escolha da expedição austríaca para o Brasil em decorrência do casamento de D. Leopoldina com D. Pedro I. Assim, acompanhou a missão cientifica junto com Johann Baptiste Von Spix e Carl Friedrich von Martius ao Brasil, permanecendo por um ano.
Chegou com somente 23 anos, ficou maravilhado com a natureza exuberante e com as cidades, com o objetivo de registrar aspectos exóticos, diferentes e pitorescos.
De volta a Áustria Ender acompanhou o Imperador Francisco I em sua viagem a Itália, logo após sua volta, em 1819, foi agraciado com uma bolsa de estudos concedida pela Academia de Viena, para estudar por quatro anos na cidade de Roma. Tornou-se membro artístico da Academia em 1829. Voltou a acompanhar o imperador, agora na região da Criméia em 1837. Em 1850, por mudanças no panorama político, perdeu todo o apoio. Faleceu em Viena, onde nascerá em 28 de setembro de 1875.
Aqui no Brasil, Thomas Ender fez seu trabalho, pintou inúmeras espécies de plantas para a missão cientifica, mas pintou também, e principalmente, a escravidão. De certa forma, mostrava sua indignação ao retratar cenas do cotidianos dos escravos, como a representação que compões a prática do comércio de escravos, ao representar uma escrava tendo os dentes observados por possíveis compradores. Dessa forma muitas foram as pinturas feitas por Ender sobre a escravidão, compondo imagens sobre o cotidiano dos cativos. Como na representação ao lado, mais ligada ao nosso tema: a capoeira. Em que retrata uma cena onde dois carregadores negros são representados, um deles, leva consigo um berimbau. Vale lembrar duas coisas, primeiro que o berimbau ainda não esta associado, como hoje o fazemos, a capoeira; e segundo, o cesto que leva na cabeça o tocador de berimbau era chamado na época de capoeira.
Enfim, no período que esteve por aqui, produziu inúmeros registros sobre o cotidiano da pessoas, do trabalho, as cidades, a natureza da região entre São Paulo e Rio de Janeiro, foram mais de 800 desenhos e esboços.
A obra em questão: Vista da rua principal do Rio de Janeiro, Lápis, aquarelado, 204 x 277 mm.
Importante é conhecer como funcionava o trabalho desses naturalistas. Eles aqui vinham para catalogar, ou melhor, levantar o maior número de dados possíveis sobre a flora, a fauna e os tipos humanos. Algo comum para os cientistas da época, dentro deste trabalho, existia os pintores que eram responsáveis por criar imagens daquilo que fora visto pelos membros da expedição. Isso levou a uma grande confusão, fazendo por muito tempo, que a sociedade ao ver estas imagens, como a Vista da rua principal do Rio de Janeiro, postada logo acima, fossem entendidas como uma cópia da realidade. Ou melhor, ao ver essa pintura as pessoas diziam: olha como era antes! Pois bem, sem desmerecer o trabalho do artista, nem mesmo, desmerecer a importância como documento, como registro de uma época, essas obras oitocentistas sobre o Brasil são mais uma visão do estrangeiro, do que uma copia da realidade. Elas foram compostas. Thomas Ender, fez inúmeros desenhos, ou melhor, esboços sobre o que via e depois, somente depois de ter voltado para Viena na Áustria, reuniu esses esboços e compôs as imagens atribuídas ao Brasil e seus habitantes.
Sabido disso, encontramos mais um registro da pratica da capoeira nos inicio do século XIX. Na Vista da rua principal do Rio de Janeiro, o artista representa a capoeira. Olhando para a imagem, aqueles que pouco conhecem os movimentos da capoeira, talvez não se familiarizem logo de cara. Mas são dois negros praticando a capoeira. Podemos comprovar essa tese, fazendo uso dos esboços que Ender levou para Áustria, e hoje estão sobre a proteção do Museus de Belas Artes de Viena.
Veja o esboço que encontramos neste arquivo. Perceba que leva o titulo de Estudos sobre atitudes: capoeira.
Gravura:Titulo CAPOEIRADigital:icon395061_73v_238.tifAutor/Criador:Ender, Thomas, 1793-1875.Título:[Estudos de atitudes: capoeira.]Data:[18--].Em:-Thomas Ender -Procedente do Gabinete de Gravuras do Museu de Belas Artes de Viena.
|
Detalhe da Vista da rua principal do Rio de Janeiro. |
Os gestos representados no esboço foi incorporado a Vista do rua principal do Rio de Janeiro. Mas veja, não estou dizendo que Thomas não tenha visto a capoeira por aquelas ruas, pelo contrário, sua obra é uma evidencia de que isso era comum naquela época.
Portanto, encontramos mais uma evidência da existência da capoeira.
ESBOÇOS da movimentação da capoeira: